quinta-feira, 21 de maio de 2015

fluxo de consciência


está tudo bem.
eu não tenho mais medo de andar em ambulâncias nem de voltar sozinha para casa ás três da manhã com uma saia curta. não coloco as mãos na frente do meu rosto quando sinto que vou cair no chão porque não tenho mais medo de cair. é difícil se assustar com um incêndio, quando tudo dentro de você está pegando fogo. tudo ao meu redor está pegando fogo. vestibular, dívidas, blusas furadas, amigos que não se gostam, fones de ouvido que não funcionam, mãos tremendo, dentes quebrados, depressão, prostituição, comida desperdiçada, 50 mil mulheres estupradas por ano, 50 mil acidentes de trânsito por ano, animais abandonados, bolos de aniversários que dão errado, professores de literatura que vão embora. a vida oprime e a culpa é do homem branco.
já parou para pensar em quantas pessoas já andaram pela terra? em quantas pessoas estão mortas debaixo da terra? quantas flores, inclusive as que você deu para sua mãe no dia das mães, nasceram de cadáveres? quantas sardas, quantas cicatrizes, quantos cílios, quantos hematomas arroxeados, quantos olhos castanhos já existiram? que prato cheio para roteiristas pensar na primeira vez que alguém comeu chocolate ou na última imagem que uma pessoa viu antes de morrer. já parou para pensar que cada uma dessas pessoas era exatamente como eu e você, tivesse sido van gogh e sua preferência pela cor amarela ou alguma outra pessoa cujo nome não foi impresso em livros de história da arte? a verdade é que van gogh não vendeu um único quadro quando estava vivo e na maior parte das vezes os anônimos da historia do mundo foram mulheres. que triste é pensar nisso.
por alguma razão, durante sonhos, devaneios acordada ou banhos longos demais, a imagem de uma menina á beira de um lago, que poderia ter existido durante a idade média me acomete. eu não sei quem ela é - quem sabe os espíritas não estão certos e ela fez parte de alguma das minhas vidas passadas? mas é como se ela fosse uma alegoria criada na minha cabeça para todas as pessoas que existiram e que poderiam ter sido amadas por mim, não estivéssemos separadas por séculos ou quilômetros. queria poder segurar as mãos de van gogh e dizer que tudo vai ficar bem e que ele é amado por mim e por milhões de pessoas. sinto uma estranha necessidade de ajudar as pessoas, inclusive as que nunca terei chance de ajudar. deus eu não consigo nem me ajudar, mas sonho durante o dia sobre garotas mortas? sobre garotas que talvez nem nunca existiram? eu li uma vez que o cérebro humano não tem a capacidade de inventar rostos. talvez ela seja uma mórbida projeção minha, talvez ela tenha sido eu mesma há muito tempo, talvez eu esteja perdendo toda a pouca razão que ainda existe em mim.
me sinto como uma pia cheia de louça suja que ninguém lava há três dias. como uma postura errada e uma mochila que te deixa com dor nos ombros no fim do dia. como uma casa em chamas.
ás vezes tenho vontade de me jogar no mar. de colocar dark side of the moon no último volume ás duas da manhã. de usar roupa preta, saia curta, batom vermelho, ficar bêbada, me jogar na frente de um carro. vontade de comer um pote de sorvete sozinha, de gritar tudo que eu penso, de socar alguém, ficar com a menina mais bonita da minha sala. levar um soco, cuspir sangue e beijar sua boca de uma vez por todas. vontade de desarrumar meu quarto, de jogar essas listas de "coisas para fazer" no lixo, de rasgar esse laços, de jogar esses cremes com cheiro de baunilha no lixo.
me sinto um caos.
e não tem nada que eu possa fazer a não ser me acostumar com o fogo, sentar á mesa do diabo e tomar um café frio sem açúcar, sem reclamar. ás vezes acabo queimando as pontas dos dedos e tenho que procurar uma caixa de band-aids pela casa durante vinte minutos só para encontrá-la vazia. continuo sangrando. é até melhor assim. deixa a ferida respirar. mas o sangramento ainda não parou e eu conto minhas bênçãos e agradeço a deus por tudo que ele me deu. se eu admitisse estar vivendo no inferno, provavelmente me jogaria nas chamas. eu não sei mais fazer nada. durmo demais ou de menos, esqueço aniversários, ouço a mesma música durante horas e procuro coisas debaixo da cama mesmo sem saber ao certo o que perdi. eu regurgito perdões, acordo engasgada com flores depois de sonhar com jardins de arrependimentos e escrevo textos com enumerações demais. eu não sei mais viver. eu só gosto do mundo ás quatro da manhã. sinto vontade de chorar em museus e estou cansada de pedir desculpas. sou uma suicida com vocação para vida. eu digo que quero morrer, mas só quero ficar bem.
epifania significa tomar consciência da sua condição. meu professor de literatura me ensinou isso. 

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